O presente trabalho visa esclarecer, a luz da legislação vigente e do entendimento majoritário nos Tribunais Superiores — administrativos e judiciais —, sobre a necessidade ou não do cumprimento de obrigação acessória de retificação de GFIP nas competências constitutivas de créditos oriundos de valores indevidamente recolhidos à Previdência Social, bem como quais os possíveis impactos perante o Fisco daí decorrentes.
O tema ganha relevância na medida em que virou praxe de mercado a compensação dos créditos previdenciários oriundos das famosas “verbas indenizatórias” diretamente em GFIP, com ou sem ação judicial.
Como sabido, a incidência de contribuição previdenciária sobre as verbas indenizatórias denominadas “terço constitucional de férias”, “auxílio doença — primeiros 15 dias pelo afastamento do empregado”, e “aviso prévio indenizado” foi declarada ilegal pelo STJ no julgamento do Recurso Especial 1.230.957/RS[1], sob argumento de que estas parcelas não detêm caráter remuneratório, ou seja, não visam retribuir o trabalhador pelo seu labor.
O entendimento pacificado pelo STJ obteve ainda a concordância da PGFN que, por meio das notas CRJ 485/16 e 115/17 estabeleceu a irrecorribilidade da Fazenda quanto a não incidência de contribuição previdenciária, a cargo da empresa, sobre valores pagos a título de quinze dias que antecedem o auxílio doença, terço constitucional de férias e aviso prévio indenizado.
Pois bem, tendo sido consolidada a ilegalidade quanto a não incidência de contribuição previdenciária sobre valores pagos a título de quinze dias que antecedem o auxílio doença, terço constitucional de férias e aviso prévio indenizado, necessário se faz avaliar a sistemática a ser adotada pelo contribuinte que fez o recolhimento de referida contribuição previdenciária para recuperar o valor pago indevidamente, especificamente no que se refere à compensação em GFIP.
A IN 1.300/12 faculta, ao contribuinte que apurar créditos previdenciários passíveis de restituição ou reembolso, a compensação nos períodos subsequentes à apuração mediante a informação no campo “compensação” em GFIP. Ocorre que a referida IN em seu art. 3º, § 11, condiciona a restituição das contribuições pagas indevidamente à retificação da declaração original.
Outrossim, o manual da GFIP – instrumento que não é dotado de força normativa alguma — nos itens 2.16 e 7, que tratam do instituto da compensação, o contribuinte é orientado a, além de informar a compensação que está realizando na competência de utilização do crédito, retificar a (s) GFIP (s) na(s) qual(is) ocorreu o recolhimento indevido ou a maior.
Calcando-se na IN 1.300/12 e ainda no manual da GFIP é que o Fisco impõe a necessidade de retificação das GFIPs nas quais a obrigação original foi declarada.
Tais formalidades consubstanciadas em procedimentos administrativos e operacionais não deveriam, no entanto, ser fatores impeditivos de forma a obstar o direito constitucional do contribuinte de compensar e/ou restituir os valores pagos indevidamente e/ou a maior (Art. 155, XII, “c” da CF, combinado com CTN art. 170; art. 74 da Lei 9.430/96 e IN 1.300/12).
Portanto, visando esclarecer sob o ponto de vista legal e jurisprudencial acerca da necessidade ou não da retificação das GFIPs cujos créditos foram constituídos, bem como quais as consequências objetivas deste procedimento, passaremos a nossas considerações.
Uma vez verificado equívoco nas informações declaradas nas GFIPs enviadas, entende o Fisco que se faz necessário retificar tais documentos a fim de regularizar os dados informados.
O Manual da SEFIP, versão 8.4, nos seus itens 2.16 e 7, dispõe sobre a necessidade de retificação das GFIPs correspondentes às competências em que houve o recolhimento a maior ou indevido, mediante o envio de nova GFIP para compensação ou restituição de crédito previdenciário.
Corroborando o entendimento, manifestou-se o CARF:
Processo: 10855.724953/2012-10
Julgamento: 12 de abril de 2016
Assunto: Contribuições Sociais Previdenciárias
MULTA ISOLADA QUALIFICADA. APLICABILIDADE.
Quando da utilização de créditos de compensação inexistentes, não declarados, não recolhidos ou não parcelados e não tendo sido promovida qualquer retificação das GFIPs pelo contribuinte, caracterizada a má-fé, aplicável a multa no referido percentual de 150%, consoante disposto no art. 89, § 10 da Lei nº 8.212/91. (g.n)[2]
Igualmente, com o entendimento sobre a retificação da GFIP para validação de crédito previdenciário a ser recuperado por meio de compensação, manifestou-se o TRF da 1ª Região em sede de Recurso de Apelação, vejamos:
CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. EXERCENTES DE MANDATO ELETIVO. CONSTITUIÇÃO FEDERAL ART. 195, INCISO I. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20/98. INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI 9.506/97. RESOLUÇÃO DO SENADO 26/2005. PRAZO PRESCRICIONAL. COMPENSAÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA. SELIC. LEGALIDADE DA RETIFICAÇÃO DA GFIP – ART. 31, PARÁGRAFO ÚNICO, A, DA LEI 8.213/91. (…)
Quanto à retificação da GFIP, esta corte já se pronunciou no sentido de que nos termos do art. 131 da lei 8.213 c/c art 156 do Código Tributário Nacional, sendo a exigência da retificação das Guias de Recolhimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e Informações à previdência Social – GFIP’s como condição para pedido de compensação ou restituição dos valores indevidamente recolhidos pelo ente federativo.
(Processo 2006.38.07.004741-3, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL REYNALDO FONSECA, Data de Julgamento: 22/05/2012, SÉTIMA TURMA, Data de Publicação: e-DJF1 p.220 de 01/06/2012). (g.n)
Logo, há precedentes firmados nas esferas administrativas e judiciais no sentido de que a recuperação de pagamentos indevidos e/ou a maior de contribuições previdenciárias deve ser precedida, necessariamente, da retificação das GFIPs correspondentes aos períodos constitutivos do crédito apurado.
Com este procedimento, a declaração retificada passa a ter a mesma natureza da declaração originalmente emitida e, com isto, há a interrupção do prazo prescricional para a cobrança do crédito tributário. Em outras palavras, caso o contribuinte opte por proceder as retificações de seus arquivos, o prazo para fiscalização e autuação pelo Fisco volta a ser integral (5 anos).
Todavia, o entendimento acima firmado não é absoluto. O pagamento a maior ou indevidamente realizado ao Fisco pelo contribuinte lhe constitui um direito material, consagrado pela Lei e independe que qualquer condição ou requisito além dos nela previstos. O exercício deste direito deve obedecer aos requisitos da legalidade apenas, o qual é consubstanciado na existência (líquida e certa) do indébito que dá o lastro ao crédito tributário, seja em virtude de Lei ou de Jurisprudência reiterada pelos Tribunais.
Os requisitos necessários para a configuração e exercício pleno do direito de compensar estão supeditados pelas seguintes normas jurídicas, todas no plano legal: art. 165 do CTN, art. 66 da Lei 8.383/91, art. 26 da Lei 11457/02, art. 89 da Lei 8212/91 e, ainda, em alguns dispositivos da Lei 9.430/96.
Essas regras determinam, dentre outras disposições, que a compensação deverá ser realizada com as contribuições devidas à Previdência Social, devendo ainda ser realizada com as importâncias correspondentes aos períodos subsequentes àqueles a que se referem os valores pagos indevidamente ou a maior.
Não estão contidos, dentre esses requisitos, o cumprimento de qualquer obrigação acessória como condição para o exercício da compensação e o que não está na Lei não pode ser inovado por instrumentos secundários introdutórios de normas jurídicas, como instruções normativas, pareceres normativos e portarias, sob pena de ofensa ao Princípio da Estrita Legalidade, previsto no art. 150, I, da CF/88.
Assim, se as Leis acima conferem a natureza e regime jurídico da compensação de tributos não pode a IN 1.300/12, em seu art.3º, §11, limitar ou restringir o exercício desse direito, impondo condições que não estão previstas na lei, como é o caso da necessidade de retificação de GFIP. Expediente desse jaez, frisamos, afronta a garantia da Legalidade.
Dizendo de outro modo, tal direito, amplamente disciplinado em Lei, não pode ser amesquinhado por condições impostas em normas jurídicas de padrão inferior na escala normativa jurídica, como é o caso do §11, do art. 3º da IN 1.300/12, sob pena de ofensa ao princípio da Legalidade.
Nesse sentido, parte da jurisprudência administrativa e judicial corrobora de modo claro e conciso para o entendimento acerca da desnecessidade de retificação prévia da GFIP. Existe posicionamento firmado pelo STJ quanto ao tema, vejamos:
REsp 1.501.140
Publicação: 11 de abril de 2016
“(…)5. A exigência, em Portaria Ministerial, de retificação da Guia de Recolhimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e de Informações à Previdência Social – GFIP para a compensação dos valores indevidamente recolhidos a título de contribuição previdenciária sobre os subsídios dos ocupantes de cargo eletivo, regulamentada pelo art. 4°, I, da Portaria MPS 133/2006 tendo como pretenso fundamento o art. 32, IV, da Lei 8.212/1991, é ilegítima, porque criou verdadeira obrigação tributária que só poderia ser instituída por lei específica. (…)” (g.n.)
Por fim, no âmbito administrativo, o CARF, também já se pronunciou sobre o tema, havendo entendimentos distintos entre seções. A que mais reforça o entendimento pela desnecessidade das GFIPs retificadoras dá conta de que a ausência de retificação não é óbice ao direito creditório do contribuinte, no entanto, este estaria ainda sujeito às penalidades pelo descumprimento de obrigação acessória, vejamos:
Processo: 10972.720122/2011-43
Julgamento: 12 de abril de 2016
Assunto: Contribuição Social Previdenciária Compensação
“(…) Por fim, quanto ao segundo argumento trazido pelo auditor que não procedeu o município a retificação das GFIP, entendo que também não é suficiente para indeferir o direito a compensação, uma vez que o próprio auditor destaca a existência de contribuições indevidas. Entendo que o descumprimento da Instrução Normativa, quanto a retificação das GFIPs constituiu falta, ou seja sujeita a penalidades da legislação. Ao proceder a compensação das contribuições recolhidas indevidamente à título de agente político, indicou o contribuinte que a dita verba não constitui fato gerador de contribuição previdenciária, ou seja, deveria proceder a retificação das GFIP. Em não o fazendo incorre em falta sujeita ao Auto de Infração de Obrigação Acessória, vez que faz constar em GFIP informação incorreta. Dessa forma, entendo que a aplicação de penalidade pelo descumprimento de obrigação acessória é sim possível, evitando que a GFIP permaneça incorreta, mas não ser determinante para indeferir restituição, ou mesmo declarar indevida compensação.” (g.n)
É de se observar, portanto, que há fortes precedentes na jurisprudência que nos permitem afirmar que a retificação das GFIPs no período em que houve a constituição do crédito é considerada desnecessária à tomada dos créditos.
Por outro lado, como verificado, administrativamente há o entendimento de que, em que pese a ausência de retificação não constituir óbice à compensação dos créditos apurados, o contribuinte não deve ser eximido da multa administrativa pela informação prestada de forma imprecisa.
Assim, como vimos, estamos diante de ao menos quatro cenários atinentes à retificação das GFIPs de onde se originaram os créditos que serão tomados, quais sejam:
1º. Retificação – ausência de penalidades: quando a utilização dos créditos pelos institutos da restituição, ressarcimento ou compensação é precedida da retificação das GFIP’s dos períodos constitutivos do crédito, temos por certo que o contribuinte está isento de quaisquer riscos, seja pela glosa dos créditos apurados, seja pela aplicação de multa administrativa. Há de se observar, no entanto, que o prazo para o Fisco se manifeste acerca da declaração é interrompido com o envio do novo arquivo, fluindo desde seu envio até os próximos cinco anos.
2º Ausência de retificação – ausência de penalidades: conforme entendimento exarado pelo STJ a exigência de que a compensação dos créditos seja precedida de retificação das GFIPs é ilegítima, porque criou verdadeira obrigação tributária que só poderia ser instituída por lei específica.
3º. Ausência de retificação – multa administrativa: tal risco decorre do fato de que foi a própria Lei que instituiu a multa administrativa pelas informações incorretas ou omissas prestadas ao Fisco, na forma, prazos e condições por ele estabelecidos em conjunto com o fato de que a nossa atual jurisprudência não firmou posicionamento acerca do tema.
4º. Ausência de retificação – glosa dos créditos: parte da jurisprudência, bem como a RFB e os órgãos administrativos são favoráveis à disposição contida na IN 1.300/12 da qual se extraí que a compensação dos créditos deve ser precedida da retificação das GFIPs em que o crédito foi constituído.
Ante a oscilação que podemos observar entre os órgãos administrativos e do Judiciário é de se concluir, portanto, que caso o intuito do contribuinte seja a de não realizar as retificações nas GFIPs, em um cenário mais conservador, poderá intentar com medida judicial que lhe garanta tal direito.
Por outro lado, caso não intente com tal medida, entende-se que há fortes argumentos, principalmente com a decisão exarada pelo STJ, que poderão desconstituir eventual autuação fiscal no âmbito judicial.
Vistas aos cenários expostos podemos verificar a importância com que o tema deve ser tratado pelas empresas, assim, é importante que suas decisões observem suas particularidades a fim de adequar a melhor estratégia à tomada de eventuais créditos previdenciários.
[1] Referido Recurso Especial foi julgado pela sistemática de recursos repetitivos prevista no artigo 543 C do antigo Código de Processo Civil – CPC, atualmente prevista no artigo 1.036 do Novo CPC, e, portanto, é dotado de efeitos vinculantes a todas as instâncias do Poder Judiciário, de modo que as ações em curso que tratarem da mesma matéria de direito deverão ser decididas da mesma forma adotada pelo leading case.
[2] Mesmo entendimento pode ser visto também nos seguintes julgamentos e soluções de consulta:
CARF – 10435.000524/2010-24/3ª Câmara / 2ª Turma Ordinária/Julgamento: 1 de dezembro de 2011;
CARF – 13433.720679/2011-70/4ª Câmara / 3ª Turma Ordinária/Julgamento: 16 de outubro de 2012;
CARF – 11065.000104/2009-22/4ª Câmara / 2ª Turma Ordinária/Julgamento: 10 de março de 2015;
CARF – 10215.720376/2014-86/4ª Câmara / 2ª Turma Ordinária/Julgamento: 12 de abril de 2016;
CARF – 15504.723169/2011-07/2ª Câmara / 1ª Turma Ordinária/Julgamento: 08 de março de 2016;
CARF – 13982.720540/2013-71/4ª Câmara / 1ª Turma Ordinária/Julgamento: 18 de fevereiro de 2016;
TRF 1º Região – 2006.38.07.004741-3 / Julgamento: 22 de maio de 2012;
Solução de Consulta 43 de 30 de Maio de 2011;
Solução de Consulta 10 de 27 de Janeiro de 2010.