A modernização das relações de trabalho e seus impactos previdenciários: a natureza indenizatória das horas repouso alimentação

Consolidação das Leis do Trabalho – CLT – aprovada ainda no ano de 1943 pelo então conhecido ”Pai dos Pobres”, presidente Getúlio Vargas, previu e assegurou aos trabalhadores em seu art. 71, parágrafos primeiro e segundo, desde sua entrada em vigor aos 10 de novembro daquele ano, um ”intervalo para refeição ou descanso” mínimo de 1 (uma) hora e máxima de 2 (duas) horas em qualquer trabalho contínuo, cuja duração exceda de 6 (seis) horas ou de 15 (quinze) minutos quando a jornada ultrapassar de 4 (quatro) horas. Em ambas as situações, os intervalos não integravam e não integram ao cômputo da duração do trabalho.

Com exceção da possibilidade de imposição de multa administrativa, prevista no art. 75 da CLT, ao empregador não havia, no entanto, qualquer penalidade que coibisse a prática da não concessão do intervalo intrajornada aos trabalhadores, até que em 1994, ou seja, passados mais de meio século desde a instituição da norma, a lei 8.923, sancionada já sob o governo do Presidente Itamar Franco incluiu ao art. 71 da CLT o seu parágrafo quarto o qual determinou expressamente que quando não concedidos os intervalos pelo empregador, este fica obrigado a remunerar o período correspondente com um acréscimo de no mínimo 50% (cinquenta por cento) sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho.

A partir da inclusão do parágrafo quarto ao art. 71 da CLT, houve início a grandes embates na Justiça do Trabalho e verificou-se grande dissidência jurisprudencial acerca do tema, ao passo que podíamos verificar decisões que davam conta de que: (i) eram devidos apenas os minutos residuais não gozados pelo empregado quando da concessão parcial; (ii) era devida a remuneração integral do período suprimido; e (iii) eram devidos os minutos não gozados ou remuneração integral do período além da remuneração do período trabalhado.

Quanto a este último item, havia o entendimento da criação da figura das ”horas extras fictas”, isto é, o entendimento de que eram devidos ao empregado não somente os valores relativos à violação do dispositivo legal, mas sim também em decorrência da prorrogação da jornada de trabalho do empregado pelo entendimento de que o período suprimido se somaria às horas laboradas. Portanto, restaria devido não um duplo pagamento de horas extraordinárias, como parte da doutrina assevera, mas sim um pagamento pela violação do período de descanso e outro pela prorrogação da jornada daí decorrente.

A pacificação desta temática no âmbito da Justiça do Trabalho só veio surgir no ano de 2003 com a edição da Orientação Jurisprudencial – OJ 307 do Tribunal Superior do Trabalho – TST, de onde se extraía que após a edição da Lei nº 8.923/94, a não concessão total ou parcial do intervalo intrajornada mínimo implicava ao pagamento total do período correspondente, com acréscimo de, no mínimo, 50% sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho.

A discussão, no entanto, não parava por aí. Argumentava-se ainda acerca da natureza indenizatória ou salarial da parcela fruto da violação ao dispositivo legal, até que, no ano de 2012 o TST editou ainda a OJ nº. 354 posicionando-se pela natureza salarial da rubrica, devendo, portanto repercutir ainda no cálculo das demais parcelas salariais.

Ambas as orientações jurisprudenciais, 307 e 354, foram ”incorporadas” com a edição dasúmula 437 pelo TST, a qual determina que após a edição da lei 8.923/94, a não concessão do intervalo intrajornada mínimo implica no pagamento total do período correspondente, e não apenas daquele suprimido, com acréscimo de, no mínimo, 50% sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho, dotado de natureza salarial, repercutindo, assim, no cálculo de outras parcelas salariais como férias, 13º salário, aviso prévio e Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS.

A sumula 437 do TST, no entanto, não coaduna com as disposições trazidas pela lei 13.467/17. Publicada no Diário Oficial da União aos 14 de julho de 2017, também chamada de ”Reforma Trabalhista” ou ainda de ”Lei de Modernização Trabalhista”, a referida lei alterou diversos dispositivos legais, a saber: a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo decreto-lei 5.452/43lei 8.036/90 (FGTS), lei 8.212/91 (Plano de Custeio da Seguridade Social) e a lei 6.019/74 (Trabalho Temporário e Prestação de Serviço).

Não podemos olvidar ainda que na data de 14 de novembro de 2017, em edição extra, fora publicada no Diário Oficial da União a medida provisória – MP – 808, a qual trouxe novas alterações à CLT, principalmente nos dispositivos incluídos pela lei 13.467/17. Em razão do caráter transitório de que é dotada uma MP com prazo de vigência de 60 (sessenta) dias, prorrogáveis por igual período, bem como que pode tornar-se definitiva ou não a depender de sua aprovação no Congresso Nacional, é importante o acompanhamento dos possíveis desmembramentos que o tema venha a ganhar.

Entre várias outras inovações, a reforma alterou o parágrafo 4º do artigo 71 da CLT, estabelecendo que a não concessão ou a concessão de forma parcial do intervalo intrajornada mínimo de uma hora, para repouso e alimentação, implica no pagamento, de natureza indenizatória, apenas do período suprimido, com acréscimo de 50% sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho.

Ocorre que o enfrentamento do tema no âmbito previdenciário já ganhava outro rumo do que o tomado pela Justiça Especializada do Trabalho. A primeira turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ, ainda em fevereiro de 2017, em decisão inédita (Resp nº. 1.328.326/BA), afastou a contribuição previdenciária sobre tais valores, contrariando precedentes da segunda turma do Tribunal.

Firmou-se o entendimento de que a hora repouso alimentação – HRA – se reveste de natureza jurídica autenticamente indenizatória, pois seu escopo é recompor direito legítimo do empregado suprimido em virtude das vicissitudes da atividade laboral, assumindo perfil de genuína compensação, a que o empregador está obrigado, por lei, a disponibilizar ao empregado, em virtude da não fruição do direito ao intervalo para refeição e repouso que lhe é garantido, imprescindível ao restabelecimento do seu vigor físico e mental.

O STJ, no julgamento supra, foi expresso em divergir contra a interpretação que fazia a Justiça do Trabalho até a entrada em vigor da ”Reforma Trabalhista”, para reconhecer que a HRA reveste-se natureza jurídica autenticamente indenizatória, pois seu escopo é recompor direito legítimo do empregado suprimido em virtude das vicissitudes da atividade laboral.

A remuneração, no âmbito do Direito do Trabalho, é entendida como a contraprestaçãopaga pelo empregador pelos serviços prestados pelo empregado em função de seu contrato de trabalho (art. 458 da CLT). Sob o aspecto previdenciário, a remuneração é encarada como a totalidade dos rendimentos pagos, devidos ou creditados a qualquer título, durante o mês, destinados a retribuir o trabalho (art. 22, I da lei 8.212/91).

Quer seja sob o aspecto trabalhista ou previdenciário, quando analisada a natureza da HRA, pode-se verificar que não estamos, pois, diante de uma parcela remuneratória. Os intervalos previstos pelo art. 71 da CLT decorreram da preocupação do Direito do Trabalho com a saúde física e mental do trabalhador, tanto o é que até a edição da lei 8.923, somente em 1994, não havia sequer a obrigação legal de remunerar o empregado pelo período suprimido, sendo tal fato encarado como infração administrativa.

O intervalo para repouso ou alimentação é, portanto, matéria de ordem legal impositiva, decorrente do caráter intervencionista que caracteriza o Direito do Trabalho no Brasil, sob o qual não há disponibilidade da vontade quer do empregado, quer do empregador. O descanso é uma imposição de ordem pública para a preservação da saúde do empregado, por isso nem mesmo ele tem disponibilidade de fazer o que quiser.

Não se presta a penalidade aplicada ao empregador ao caráter de contraprestação ou retribuição ao trabalho, e nem poderia ser assim encarado eis que o próprio parágrafo segundo do art. 71 da CLT é expresso ao determinar que ”os intervalos de descanso não serão computados na duração do trabalho.” O pagamento da HRA decorre, pois, de ato ilegal do empregador, punível com tal sanção.

Em que pese as divergências ímpares que podem ser encontradas no que tange aos termos ”salário” e ”remuneração” quando comparados os ramos do Direito do Trabalho e do Direito Previdenciário, neste caso temos que ambas as disciplinas convergem para o mesmo sentido: a HRA é dotada de natureza indenizatória.

A partir da vigência da ”Reforma Trabalhista” não há mais que se falar na natureza salarial da parcela para fins trabalhistas, em função das alterações promovidas ao art. 71, §4º da CLT. Em que pese não ter havido a inclusão expressa da HRA nas hipóteses de isenção das contribuições previdenciárias (art. 28, §9º da lei 8.212/91), o posicionamento adotado pela primeira turma do STJ deverá prevalecer a fim de afastarem-se as contribuições previdenciárias sobre os valores recolhidos a este título, reforçado pelo critério de superposição normativa tributária decorrente do art. 109 do CTN, que permite perpassar a análise do conceito estrito de ”contraprestação”, inerente ao Direito do Trabalho, atingindo o critério jurídico da remuneração do Direito Previdenciário que determina a hipótese de incidência da contribuição previdenciária ao Fisco.

Com isto, há ainda a possibilidade de os contribuintes reaverem, de forma administrativa ou judicial, os valores dispendidos com o pagamento das contribuições sociais previdenciárias nos últimos 5 (cinco), as quais calculadas em função dos valores pagos a título de HRA.

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*Vinicius Riguete Rigon é advogado, coordenador previdenciário da Henares Advogados Associados. Especialista em Direito e Relações do Trabalho e Direito Previdenciário.

*Anderson Olivio Turina é analista previdenciário sênior da Henares Advogados Associados.

 

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