Matéria elaborada pelo Dr. Halley Henares Neto sobre principais pontos na decisão do STF – Exclusão do ICMS da BC do PIS e COFINS.

Decisão do STF sobre a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins: poderia ter sido pior?

Halley Henares Neto*

Alguns dizem que sim, outros, que não. Certamente, quem fizer parte do rol das “50 mil ações” propostas pelos contribuintes após a decisão de 2017 do STF, como proclamado pelo Min. Alexandre de Moraes, estará entre os que dizem “não”. São eles, aliás, provavelmente, as empresas de médio porte, que por falta de recursos, falta de estrutura de informação ou insegurança em ingressar antes de um pronunciamento do STF, aguardaram até o momento em que esse aconteceu.

Enfim, passados aproximadamente 4 anos da decisão de mérito do STF que exclui o ICMS da base de cálculo, o STF fechou o tema em plenário hoje.

Depois de muito “zigue zague” jurisprudencial acerca da discussão sobre tributo poder incidir sobre tributo (“efeito cascata”) e quais os limites em nosso ordenamento, o STF fechou o tema em 2017, contudo, outros dois foram propostos, em decorrência daquele julgamento, pela União Federal, em sede de embargos: (i) a modulação de efeitos; (ii) o esclarecimento sobre qual o valor de ICMS deveria ser excluído da base do PIS e da Cofins, o valor líquido recolhido ou o valor bruto destacado na nota.

Sobre esses dois pontos, o STF decidiu, a partir do voto da relatora, Min. Carmen Lúcia, que os efeitos da declaração de inconstitucionalidade devem ser modulados. Seguida pelos Ministros Alexandre de Moraes, Luiz Roberto Barroso, Dias Toffoli, Lewandowski, Fachin, Marco Aurélio e Rosa Weber (com divergência dos Ministros Gilmar Mendes, Kassio Nunes e Luis Roberto Barroso – cf quadro abaixo)

Pontos negativos para o contribuinte:

  • A relativização dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade (nulidade), a partir do julgamento em 2017 pelo STF, conforme proposto pela Min. Relatora Carmen Lúcia e acatado por maioria pela Corte Suprema, confere o direito aos contribuintes de excluir e restituir por integral o valor do ICMS da base do PIS e da Cofins apenas a partir de março de 2017. Contudo, em relação ao passado, apenas os contribuintes que já possuíam ação ajuizada antes do julgamento de 2017 poderão exercer o direito à restituição ou compensação de valores pagos indevidamente antes dessa data (março de 2017 para trás, relativo a pagamentos efetuados cinco anos antes do respectivo ajuizamento).

Assim, por exemplo, uma empresa que tenha ingressado com ação judicial em março de 2018, somente terá um ano a restituir (até março de 2017), não podendo retroagir a março de 2013, como aquela que, tendo ingressado, por exemplo, em fevereiro de 2017, poderá retroagir até fevereiro de 2012.

Para a maioria dos ministros, todos os contribuintes podem se beneficiar do entendimento a partir do dia 15 de março de 2017, o que reduz o impacto da decisão para a União. Isso significa que os contribuintes podem se beneficiar da decisão desta data em diante. Mas só aqueles que tinham ações em curso até o dia 15 terão o direito de receber o que pagaram a maior.

Essa situação tem o seguinte contrassenso: ela retira o direito do contribuinte que não ingressou com ação judicial justamente porque não tinha estrutura e informação adequadas (advogados, consultores, etc) ou porque, mais cauteloso, aguardou um posicionamento final do STF para não correr riscos, mediante a plêiade de ações e temas tributários que pululam o cenário jurídico do país, de perda de ações, de incorrer em custos incertos, de ônus de sucumbência, dentre outros. Ademais, com isso, o STF vai na contramão do CNJ e dos movimentos de diminuição de litígios que hoje sabidamente afogam o próprio Poder Judiciário, na medida em que todos os contribuintes terão que ficar propondo medidas judiciais para, no mínimo e por precaução, não perderam o direito de exercitar o seu direito no futuro. A lógica é perversa à paz tributária e à boa-fé do contribuinte.

  • A modulação em favor da Fazenda em matéria tributária premia a irresponsabilidade do gestor público. Segundo o Ministro Fux, no julgamento em análise, o número expressivo de modulações gera estímulo a inconstitucionalidade “conveniente e útil”. Ou, nos dizeres mais agudos de Fachin, não se pode validar a ““displicência” do gestor e “imputar aos contribuintes o ônus de arcar com valores que foram indevidamente arrecadados”. Contudo a Corte entendeu por bem modular, fundando-se ora em questões de interesse social excepcional, confundindo, interesse financeiro com interesse social ou público.

O fundamento jurídico invocado pela União não pode ser o interesse social, pois ele não se confunde com o interesse financeiro. Segundo Min. Fachin e Min. Rosa Weber, importante distinguir segurança financeira de segurança jurídica. O interesse social está atrelado “não a segurança orçamentária, mas a segurança jurídica, base do Estado Democrático de Direito”. Esse posicionamento deve ser melhor examinado nas próximas modulações, já que elas são uma tendência doravante, mesmo que com cautelas na seara fiscal tributária.

Nessa linha, ainda, o Min. Marco Aurélio ressalta que a modulação amplia muito o poder do STF e que se há manicômio tributário ele se deve a voracidade do Estado e a insegurança jurídica que o STF deve reparar.  Outros passos devem e precisam ser dados neste aspecto, pois o STF deve buscar sempre a segurança jurídica do contribuinte em primeiro lugar, sobretudo se ela for qualificada porque tem como causa contribuintes de menor porte ou a mudança de jurisprudência ou precedentes vinculantes em repetitivo.

Preocupou, embora sem prevalecer, a tese do Ministro Gilmar, que, citando o jurista português Casalta Nabais e o espanhol Edurado García de Enterría Gilmar, postulou a “impositividade de se modular”, ou seja, que o juiz responsável não declara inconstitucionalidade para não provocar o caos. Segundo ele, essa situação não se configuraria consequencialismo judicial porque faz parte da própria força normativa da Constituição coibir o caos. A modulação compõe o próprio sistema de Estado de Direito, na versão mais em prol da segurança jurídica do que da legalidade formal. Essa posição preocupa para futuras modulações, sobretudo porque não leva em conta que o modelo europeu de sociedade e produção de leis não passa pelo teste de exame de constitucionalidade constante como o nosso – e quando passa, geralmente não é maciçamente reprovado como o nosso. Outra realidade social e normativa, outro viés interpretativo.

Pontos positivos para o contribuinte

Nesse cenário de “caos” (Min. Gilmar) e “manicômio” (Min. Marco Aurélio), o que foi bom?

  • Sem dúvida, o melhor ponto foi não apenas garantir o direito à restituição aos contribuintes que ajuizaram ação antes de 2017, a partir de 5 anos antes da propositura da referida ação judicial, mas, sobretudo, que se fixou ao menos um norte em matéria de modulação de efeitos na área tributária.

Sim. Todo os ministros voltaram ao passado para fazer um retrospectiva da força da jurisprudência e como ela estava cristalizada, restando fixado o elo entre os seguintes aspectos: mudança de jurisprudência dominante – quebra de segurança jurídica – aplicação do art. 927, parágrafo 3º. do CPC – necessidade de modulação de efeitos.

Em outros dizeres, fixou-se que o pressuposto autorizador inarredável para a modulação é a segurança jurídica e que a quebra do fluxo jurisprudencial a afeta diretamente, sobretudo em casos de decisões em repetitivos ou repercussões gerais, que têm efeitos vinculantes.

Lembramos que a segurança jurídica em decisões de repetitivos deve ser ainda mais evidente, pois estes têm natureza de precedente vinculante decorrente de lei. A segurança jurídica decorrente de mudança jurisprudencial é segurança jurídica especial, pois não decorre apenas da lei, mas da interpretação técnica e reiterada dos tribunais sobre a lei.

Na decisão em análise, hoje, o Ministro Fachin se referiu a  segurança jurídica como sinônimo da “proteção a confiança, calculabilidade e cognoscibilidade. A Min. Rosa Weber, a seu turno, pontuou, em brilhante voto, sobre o “estado de estabilidade necessária para fundar a segurança jurídica”. Adiante traz conceitos importantes como o da “probabilidade de confiança justificada”. “Sempre esteve ao lado do contribuinte a probabilidade do direito alegado”, sustenta, citando, ainda, o conceito de zona de penumbra aplicado ao campos das decisões do STJ ante o STF: Ao decidir, o STJ agrega conteúdo à ordem jurídica vinculante, que deixa, assim, de constituir sinônimo de ordem legislada. Por consequência, a “decisão” da Corte passa a orientar a vida em sociedade e a regular os casos futuros. Se a Corte reconstrói o produto do legislativo para atribuir sentido ao direito, a igualdade, a liberdade e a segurança jurídica apenas não serão violadas se o precedente instituído for respeitado pelos juízes e tribunais inferiores. De modo que a obrigação de respeito é tão somente consequência da função contemporânea da Corte” (genjurido.com.br 15/4/19)

O pano de fundo foi a estabilidade jurisprudencial sobre o tema. O Min. Fux e a Min. Rosa Weber destacaram bem isso. “Organizou-se um quadro caótico que nos deparamos sobre a interpretações na própria seara judicial”, constatou o Min. Gilmar Mendes.

O STF agora precisa manter isso para não mudar a jurisprudência sobre a fixação de critérios para modulação de efeitos da própria jurisprudência, e não cair, assim, numa “espiral hermenêutica” condutora ao “caos e ao manicômio” que hoje, reiteradas vezes, ele próprio sustentou que estava rechaçando.

  • Prevaleceu o entendimento, favorável ao contribuinte, de que a base de cálculo a ser excluída a título de ICMS é efetivamente o valor bruto destacado na nota e não o valor líquido (efetivamente pago).

A decisão, mesmo a partir de março de 2017, contudo, não tem efeito “erga omnes” (a norma abstrata não foi retirada do mundo jurídico, o que demandaria resolução do Senado Federal), lembrando que não se trata de Ação Direta de Inconstitucionalidade, mas sim de decisão em sede repercussão geral, com efeito vinculante para as demais instâncias do Poder Judiciário. Cada contribuinte deve buscar, se ainda não o fez, a sua respectiva medida judicial.

Concluo chamando atenção para o voto do Min. Fux, Presidente da Corte, que pontuou que a segurança jurídica é um “fator relevante de investimento no país” e deve servir o contribuinte particular, o capital estrangeiro e o nacional.

Assiste razão a ele, senão na modulação ou assertiva sobre a falta de força global em prol de vencer a pandemia, mas com certeza na situação de o Princípio da segurança jurídica ser um fator relevante de investimento no país e, complementando, de fomento da estabilidade das decisões judiciais na vida das pessoas.

Modulação. Quórum qualificado de 2/3 – art. 27 da Lei 9869/99

Art. 927, parágrafo 3º. CPC

QUADRO de votação:

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