Receita deve deixar de cobrar contribuição sobre verbas indenizatórias

A Receita Federal do Brasil deverá alterar o entendimento pela não incidência previdenciária sobre o terço constitucional de férias e quinze dias que antecedem o auxílio doença.

Por meio da Solução de Consulta 99.101/2017, a Receita Federal reafirmou que o entendimento quanto a “incidência de contribuições previdenciárias sobre o terço constitucional de férias e primeiros 15 (quinze) dias de afastamento do empregado em razão de doença ou acidente permanece inalterado apesar da decisão do Superior Tribunal de Justiça no Resp 1.230.957, devendo continuar sendo recolhidas, já que, segundo Nota PGFN/CRJ/520/2017, de 8 de junho de 2017, a orientação contida na NOTA PGFN/CRJ/115/2017 não vincula a Secretaria da Receita Federal do Brasil”.

Inicialmente cabe destacar que a nota PGFN/CRJ 115/2017 reconhece que, analisando especificamente o Tema 908 de repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal entendeu que não havia matéria constitucional a ser analisada relativamente à controvérsia e, assim, não reconheceu a repercussão geral no tocante a não incidência de contribuição previdenciária sobre valores pagos pelos empregados a título de quinze dias que antecedem o auxílio doença e o terço constitucional de férias, haja vista sua natureza indenizatória, in verbis:

RE nº 892.238/RS. Tema 908 de Repercussão Geral. Portaria PGFN nº 502/2016. Parecer PGFN/CRJ nº 789/2016. Distinção entre as teses jurídicas debatidas nos processos referentes aos temas 20, 163 e 908. Consequências para interpretação da dispensa de contestar e recorrer relativa matéria decidida no RESP nº 1.230.957/RS. Recurso representativo de controvérsia. Art. 19, V, da Lei n° 10.522/2002. Alteração da orientação contida na Nota PGFN/CRJ nº 640/2014. Inclusão do tema em lista de dispensa de contestar e recorrer quanto à contribuição a cargo do empregador. Alteração a ser comunicada à RFB nos termos do §9º do art. do art. 3º da Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 01/2014.

(…) De acordo com o que se depreende do voto do Ministro Luiz Fux, relator do

RE nº 892.238/RS, em relação à questão posta à apreciação do STF não haveria matéria constitucional a ser analisada, uma vez que para deslinde da controvérsia acerca do enquadramento das parcelas pegas ao empregado no que determina o art. 28 da Lei nº 8.212/91, o Tribunal de origem havia decidido tão somente com base em interpretação e aplicação de normas infraconstitucionais pertinentes. Aplicou-se, portanto, o entendimento firmado pelo Plenário da Corte no RE nº 584.6082, no sentido de que se pode atribuir efeitos da declaração de ausência de repercussão geral quando inexiste matéria constitucional a ser apreciada ou quando eventual ofensa à Constituição se dá de forma reflexa ou indireta.

(…) seja dispensado de contestação e recurso o tema “incidência de contribuição previdenciária a cargo do empregado sobre o terço constitucional de férias e sobre a remuneração paga pelo empregador nos primeiros dias de afastamento do trabalhador por incapacidade”, promovendo-se a devida a alteração da lista dispensa, nos termos do art. 2º, §4º, da Portaria PGFN/CRJ nº 502/2016, na forma proposta na presente manifestação;

A partir do momento em que decisões são proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso repetitivo ou pelo Supremo Tribunal Federal em sede de repercussão geral, a matéria em discussão deixa de ser controvertida.

Desta forma, o mérito da discussão torna-se pacificado, conferindo maior celeridade, segurança e isonomia às ações julgadas pelos tribunais superiores, e valorizando o precedente consolidado nesta sistemática com o intuito de orientar e uniformizar o entendimento dos demais tribunais acerca da matéria analisada.

Em decorrência, considerando que decisões proferidas em sede de repercussão geral e recurso repetitivo transcendem o caso concreto, o direito reconhecido nessas decisões passa a ser líquido e certo, muito embora ainda possa estar sendo discutido nas instâncias inferiores por um determinado contribuinte.

A Receita Federal questionou a PGFN acerca das considerações contidas na Nota 115/2017, bem como a manutenção do referido tema na lista de dispensa de contestação e recursos relativamente à contribuição a cargo do empregado quanto ao adicional do terço de férias e da parcela paga no período dos quinze primeiros dias que antecedem o auxílio-doença. Ponderou a Receita Federal acerca da dificuldade da operacionalização no entendimento assentado na nota 115/2017 frente aos sistemas informatizados ora existentes (SEFIP 8.4), pugnando, por fim, que a PGFN revisitasse seu entendimento e aguardasse o julgamento do Tema 20 de repercussão geral (RE 565.160) que versava acerca das contribuições a cargo do empregador.

Em resposta à Receita Federal, editou a PGFN a nota CRJ 520/2017, in verbis:

(…) 16. Nota-se que, mesmo diante das considerações formuladas pela RFB (inclusive as dificuldades práticas de operacionalização de tal entendimento), não parece adequado, no momento, alterar o entendimento perfilhado na Nota PGFN/CRJ nº 115/2017, ao menos quanto à orientação para a atuação da União em juízo no tocante à contribuição do empregado.

17. Convém ainda – no intuito de reforçar esse posicionamento – mencionar que o STF, ao julgar o mérito do tema 20, fixou a tese de que “a contribuição social a cargo do empregador incide sobre ganhos habituais do empregado, quer anteriores ou posteriores à Emenda Constitucional nº 20/1998”. Vale esclarecer que não se está agora analisando a decisão do STF no RE nº 565.160 e seus impactos, tendo em vista que ainda não houve a publicação do acórdão, mas deve-se levar em conta que a tese fixada por ocasião do julgamento de tal recurso extraordinário indica que a Corte Suprema restringiu o entendimento firmado naquele precedente à contribuição previdenciária a cargo do empregador, tendo em vista que somente em tal caso há norma constitucional tratando da incidência sobre toda a remuneração auferida pelo empregado.11 (…)

Pois bem, tanto as Notas CRJ/PGFN 115/2017 e 520/2017 como a Solução de Consulta 99.101/2017 da Receita Federal foram publicadas anteriormente à publicação do acórdão relativo ao tema 20 de repercussão geral (RE 565.160) no STF.

Aos 23 de agosto de 2017 houve a publicação do referido acórdão (Tema 20), do qual se depreende que “a contribuição social a cargo do empregador incide sobre ganhos habituais do empregado, quer anteriores ou posteriores à Emenda Constitucional 20/1998”. Destacamos a seguir, trechos dos votos dos ministros Luiz Fux e Luís Roberto Barroso:

Luiz Fux:

(…) Destaque-se, por fim, que descabe a esta Corte definir a natureza indenizatória ou remuneratória de cada parcela, eis que tal discussão não possui status constitucional, conforme amplamente vem sendo reconhecido pela jurisprudência. Compete tão somente a este colegiado a interpretação dos dispositivos constitucionais em relação ao tema, de modo que deles só é possível extrair a necessidade de pagamento com habitualidade e em decorrência da atividade laboral, para fins de delimitação da base de cálculo da contribuição previdenciária do empregador e consequente interpretação do conceito de “folha de salários”.

Diante disso, seja antes ou depois da EC nº 20/98, não há qualquer incompatibilidade do art. 22, I, da Lei nº 8.212/91 com a Constituição Federal, eis que as parcelas ali mencionadas se limitam às pagas com habitualidade, em retribuição à atividade laboral.(…)

Luís Roberto Barroso:

(…) Dessa forma, não se busca aqui definir, individualmente, a natureza das verbas ou, mais importante se foram pagas com habitualidade ou eventualidade, e quais delas estão habilitadas ou não para compor a base de cálculo da contribuição. Isso, na esteira da jurisprudência desta Corte, é matéria de índole infraconstitucional. De toda sorte, penso que não há aqui nenhuma incompatibilidade desse entendimento expressado pelo Tribunal em diversos julgados, e ao qual me filio, com o que estamos decidindo agora no presente caso. Embora guardem relação, penso que são situações distintas e, de todo modo, fato é que tal análise sobre a natureza jurídica de cada verba não é objetivo do acórdão que reconheceu a repercussão geral do tema. (…)

Por todo o exposto, voto no sentido de conhecer e negar provimento ao recurso extraordinário, sugerindo afixação da seguinte tese: “o art. 22, I da Lei 8212/91 é constitucional, devendo a contribuição previdenciária do empregador incidir sobre verbas decorrentes diretamente da relação de trabalho, pagas habitualmente e em virtude da atividade laboral desenvolvida pelo trabalhador, excluídas as de claro caráter indenizatório e as pagas eventualmente por mera liberalidade.”(…)

Assim, não cuidou o STF de avaliar as verbas em si, mas apenas firmou o entendimento de que incide a contribuição nas verbas pagas com habitualidade em retribuição a atividade laboral. Neste sentido, nosso entendimento, bem como o do STF acerca da não incidência das contribuições previdenciárias sobre as chamadas “verbas indenizatórias” ancoram-se na decisão proferida pelo STJ quando do julgamento do Recurso Especial 1.230.957, valendo trazer novamente os principais trechos acerca do tema:

STJ – RECURSO REPETITIVO (1.230.957)

Primeiros 15 dias – Auxílio Doença:

“(…) No que se refere ao segurado empregado, durante os primeiros quinze dias consecutivos ao do afastamento da atividade por motivo de doença, incumbe ao empregador efetuar o pagamento do seu salário integral (art. 60, § 3º, da Lei 8.213/91 com redação dada pela Lei 9.876/99). Não obstante nesse período haja o pagamento efetuado pelo empregador, a importância paga não é destinada a retribuir o trabalho, sobretudo porque no intervalo dos quinze dias consecutivos ocorre a interrupção do contrato de trabalho, ou seja, nenhum serviço é prestado pelo empregado.”

(grifo nosso)

1/3 Constitucional de Férias:

“(…) Em relação ao adicional de férias concernente às férias gozadas, tal importância possui natureza indenizatória/compensatória, e não constitui ganho habitual do empregado, razão pela qual sobre ela não é possível a incidência de contribuição previdenciária (a cargo da empresa). (…)”

Ante o exposto, em homenagem ao princípio da segurança jurídica que deve sempre nortear as decisões do STJ e STF, é nossa opinião que a Receita Federal deverá rever em futuro próximo o entendimento firmado na Solução de Consulta 99.101/2017 para deixar de exigir as contribuições previdenciárias, quota parte empregado e empregador, sobre os eventos de 15 primeiros dias de auxílio-doença e 1/3 constitucional de férias gozadas.

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